sexta-feira, 1 de maio de 2015

Esporotricose: é o fim?

Hoje vou contar a história do Thrix, um gatinho que resgatei da rua com esporotricose e aproveitar para falar um pouco sobre esta doença que poucos conhecem, e quem conhece tem pavor.
Aí está ele, deitadinho com a Chanel, virou seu guardião: 
                                                       

Existe muita lenda em torno desta doença e a desinformação, muitas vezes por parte de profissionais de saúde, inclusive médicos veterinários, só faz aumentar e disseminar o problema. Ouço algumas pessoas dizerem que seu gato contraiu a doença, mas que o próprio veterinário desaconselhou tratar. Pois bem, esta é a questão. A #esporotricose é uma doença contagiosa, provocada por um fungo chamado Sporothrix schenckii e que, na verdade, não é uma "doença do gato", mas é um fungo do ambiente, sendo encontrado em terra rica em matéria orgânica, madeiras, cascas de árvores, principalmente onde haja pouca incidência de luz solar, sendo uma doença ocupacional do jardineiro, e pessoas que lidam com jardinagem são o principal grupo de risco entre humanos. 
Onde o gato entra nesta história? O gato doméstico, assim como o cão, segue o homem aonde ele vai. Onde há urbanização, e com a penetração do homem em locais de desmatamento, aí também estão seus animais de estimação. O gato, pelo seus hábitos de enterrar fezes e de afiar unhas, e o faz também em troncos de árvores, e ainda, de brigas entre si por disputa de territórios, quando não castrados, disseminam a contaminação entre a população felina. Este fungo penetra o tecido subcutâneo pela arranhadura do gato. Ele não é um fungo de pele, como alguns pensam. Ele precisa penetrar e se multiplicar por baixo da pele e mucosas para que então se estabeleça doença. Formando então tumores e depois ulcerações que se abrem na pele, levando ao quadro típico e facilmente detectável da doença. 
Se por um lado, o fato de ser uma doença fúngica subcutânea reduz as chances de contaminação, por outro dificulta o tratamento. Medicamentos antifúngicos de uso tópicos não são indicados e sim medicações administradas por via oral.
Importante saber que para um gato disseminar a doença ele não precisa necessariamente estar com a doença e arranhar outro animal ou pessoa, embora se torne mais fácil assim, mas ele apenas precisa ter formas do fungo nas unhas. Assim como pode acontecer se a pessoa se cortar com instrumentos de jardinagem contaminados, farpas, espinhos. É um ato mecânico que permite a penetração do fungo através da pele.

Aí está ele no dia em que o resgatei. Uma cena dramática, como ele é, não só pela condição, da doença e o abandono, mas porque depois eu descobri convivendo com ele, que o drama faz parte da sua "personalidade". Não dá para ver direito, mas há um tumor ulcerado, típico da doença, em seu focinho, como também em suas patas traseiras



Voltemos à cena: um gatinho triste, cabisbaixo, equilibrando-se em uma pequena folha de papel. Ali foi deixado e permaneceu por quase todo o dia. Quem passava percebia aquele drama.
Comentei com uma pessoa sobre a possibilidade da doença e esta curiosa foi lá perto dele conferir. Nesse momento ele olhou para a pessoa e se espreguiçou parecendo pensar consigo mesmo: "opa, que bom que você chegou para me ajudar!" E eu assistindo a tudo isso mais uma vez não podia ficar indiferente. Eu até tentei. 
Alguns podem perguntar: "por que você tentou ficar indiferente? Como pode ser tão insensível?" Outros já perguntam: "Caramba, você quer salvar o mundo?". Tudo é uma questão de decisão e eu decidi agir. Mas como fazer? Levar para casa um animal com uma doença contagiosa, correndo o risco de contaminar meus animais e ambiente que, até onde sei, parece estar livre do fungo? Corri o risco. O fato de conhecer a epidemiologia da doença facilitou na decisão. Levei o gatinho para casa, o mantive preso em um local de fácil manutenção e desinfecção, onde poderia medicá-lo todos os dias, por um longo período. E assim foi feito.



Porém o que mais me incomodava não era o fato de dar a medicação todos os dias, apenas uma vez por dia, ou prendê-lo na caixinha de transporte para lavar o local diariamente e colocá-lo para banho de sol.. Definitivamente não era o trabalho. Era o fato dele não ser castrado. Eu nunca havia mantido um gato não castrado em casa, e durante o primeiro mês de tratamento tive que conviver com miados estridentes e cheiro forte de urina típico dos gatos não castrados ou inteiros. Fui forte, só eu sei o drama.
Mas assim que as feridas começaram o processo de cicatrização, com resultados de exames de sangue normais,  lá estava o Thrix passando pelo procedimento cirúrgico. Ufa! Logo, logo ele estava calminho e a paz voltou a reinar em casa. Mas ele continuava lá, preso. Não podia correr  risco de contaminar ninguém. Ele ainda teria que se adaptar aos meus animais, e brigas entre os gatos é uma forma de disseminação na doença.
Até me arrependo de não ter fotos dele com as feridas abertas, mas o que não faltam na internet são fotos de gatos com feridas de esporotricose, prefiro deixar aqui as impressões bonitinhas do Thrix. Porque antes de ser um "esporento" ele é um gato fofo que alguém esqueceu de castrar e preferiu abandonar depois que ficou doente. Mas nesta foto a seguir é possível ver a cicatriz da ferida.

Importante lembrar que fungos, sejam cutâneos ou não,  são difíceis de tratar, e o tratamento deve ser longo e persistir por um tempo depois da remissão do quadro clínico. E no caso do Sporothrix, ele pode permanecer na cicatriz, podendo retornar depois da interrupção do tratamento.
                                         
                                             
                                                                               
                                                                      
Alguns meses depois foi liberado do cárcere e todo metido se apoderou de uma das caminhas das cadelas. Mas o tratamento segue firme e Thrix todos os dias tem no café da manhã seu sachet preferido reforçado com a medicação. Se ele percebe ou não a presença do medicamento eu não sei, só sei que ele não deixa nada no potinho e até lambe os lábios depois, satisfeito.



Ah! O nome Thrix foi escolhido após a postagem desta foto na internet, onde surgiram nomes como folgado (por que será?) e schencii, por causa do nome do fungo. Thrix  me pareceu mais a cara dele. 

Conversando com um colega médico veterinário que trabalha com saúde pública, ele estava me falando do crescimento da incidência da doença e que a desinformação, aliada ao medo de tratar e se contaminar, com médicos veterinários que indicam a eutanásia como única forma de lidar com a doença, acabam promovendo o aumento do abandono de animais doentes e a proliferação da doença. Orientar corretamente com informação sobre tratamento e cuidados necessários para que a pessoa possa agir adequadamente é a melhor saída. Criar pânico só piora as coisas. Muitos proprietários não praticam a eutanásia por pena, outros por não quererem e não poderem pagar pelo procedimento. Ou quando fazem em um gato, depois que percebem que outros animais estão doentes, preferem abandonar. 
O tratamento não é tão complicado. E o principal cuidado é manter o animal isolado de outros durante o tratamento e evitar contato direto para não ser arranhada pelo animal.

                                                           

Uma tarde eu estava deitada no sofá e quando abro os olhos dou de cara com estes dois faróis me olhando. Que susto, Thrix! Parecia querer agradecer. 




Ele realmente reconhece a dedicação que tive a ele. Ele é brigão, invocadinho mesmo. Não deixa ninguém chegar perto da Chanel, nem de mim. Mas comigo é impressionantemente submisso. O que eu quiser fazer com ele eu faço, sem nunca ter qualquer reação negativa. Entendo isso como uma forma de gratidão.



Valeu a pena todo o esforço. Sempre vale, principalmente quando a gente vê o resultado. E mesmo quando não tem um resultado positivo, poder dar o mínimo de atenção e cuidado é sempre um alento. Thrix é ou não um aristogato vira-lata, a cara da riqueza? O verdadeiro manda chuva do pedaço.

9 comentários:

  1. Q bom ! Fico muito feliz que ele tenha achado alguém disposto a ajudá -lo. Tenho três gatinhas adotadas e castradas que são nossos bebês.

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  2. Puxa legal essa história, estou passando esse problema com uma gata que peguei na rua mas ela é uma fera!!! já está quase curada mas estou morrendo de medo de ela contaminar a filha dela com um arranhão,elas por enquanto estão separadas devido a doença, aconteceu alguma contaminação após ele ficar bom? Tudo de bom pra vc com essa bela atitude!!!!

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    1. Oi! Não houve nenhum problema de contaminação aqui em casa. Fiz 90 dias do medicamento e depois percebi que a lesão no nariz estava querendo voltar, então continuei a medicação, mas não precisei separá-lo. Não houve nenhuma contaminação. Sorte com sua gatinha.

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  3. Que Linda História de Amor e Dedicação!!!! Amei! Tenho 2 Meninos aqui em Casa! Aprendi MT sobre a Doença!

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  4. Que Linda História de Amor e Dedicação!!!! Amei! Tenho 2 Meninos aqui em Casa! Aprendi MT sobre a Doença!

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  5. Que Linda História de Amor e Dedicação!!!! Amei! Tenho 2 Meninos aqui em Casa! Aprendi MT sobre a Doença!

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  6. Oi Luciana, tudo bom?

    Será que vc poderia me passar seu email?
    Poxa, meu gato está internado com isso, mas eu não estou me sentindo mto bem com iso...as vezes suspeito q aqui em casa eu cuidadria melhor dele do que onde ele está....toda vez q eu vou lá o lugar está sujo... :(

    Acontece que moro numa kitinete....aí eu n sei...mas tenho uma varandona...q por acaso mts gatos passam por ela durante o dia e a noite...Estava precisando conversar com alguém imparcial para eu saber mais sobre a doença e como cuidar em casa....

    Se vc me passar seu email, prometo não te encher o saco, serão só algumas perguntas...se puder, agradeço!

    Gratidão!

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  7. Que linda história, Lu!
    Estou apaixonada por uma gata branca que está terminando o tratamento de esporotricosé em um gatil aqui perto.
    Quero fazer o teste FIV/FELV nela e só assim poderei trazê-la para cá, pois tenho mais três fêmeas.
    Só que ouvi uma história chata e não sei se é verdade... A esporotricose fica no corpo do animal "encubado", mesmo após a cura? Tipo a herpes, que depois que contraímos, mesmo depois de curados, ela volta de tempos em tempos?
    Só queria tirar essa dúvida, para não correr o risco de trazer uma gata "curada" pra casa e, no final, o fungo reaparecendo, ela acabar reapresentando a doença, e contaminando as outras três...
    Espero que a cura seja definitiva...

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    1. Oi, Ana! Desculpa e demora em responder, espero que a gatinha tenha ficado bem. Na verdade, o que acontece muitas vezes é que na cicatriz da lesão pode permanecer um fungo e a lesão começar a voltar, mas aí é só entrar novamente com a medicação.

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