terça-feira, 12 de maio de 2015

Animais sofrem de ansiedade e depressão?

Algumas pessoas acham até engraçado quando a gente comenta que animais sofrem de ansiedade, depressão, estresse. Na verdade, as pessoas em geral têm dificuldade de entender o que acontece com as próprias pessoas que sofrem dessas síndromes. Dizer que alguém sofre de um problema psicológico ou de fundo emocional é como se dissesse que a pessoa está inventando um problema, criando em sua cabeça, quando na verdade não é nada disso. Muitas das doenças que sofremos nos dias atuais se devem ao estilo de vida que vivemos, que geram expectativas, ansiedade, frustração, medo, dentre outros problemas que começam com uma alteração no estado emocional e que podem gerar doenças físicas.

                                                       


Até há pouco tempo quando se dizia que uma pessoa estava somatizando era como se dissesse: Você está inventando um problema que não existe e agora seu corpo está sentindo a consequência disso. Só que na verdade as coisas não são tão simples assim. Aliás, nada simples.

Mas  o que eu estou querendo dizer com isso é que com toda essa dificuldade que temos de entender a nossa própria espécie, e até a nós mesmos como indivíduos, não é de se estranhar a reação das pessoas quando se diz que um animalzinho esteja sofrendo de problemas de fundo emocional. Muita destas alterações também se devem ao nosso estilo de vida e que impomos aos animais que convivem conosco.

Os cães estão geneticamente condicionados a acreditarem que estar em grupo aumenta as chances de sobrevivência, pois seus antepassados tinham melhores chances de se alimentar e defender quando atuavam em conjunto. Esta necessidade herdada permaneceu nos cães domesticados, que vêem seu dono como chefe da matilha e, por isso, sofrem com sua ausência (existe uma tendência positivista hoje que diz que não, que os cães não veriam seus donos como líderes, ou que não competem com ele por esta liderança, mas são linhas de raciocínio e de qualquer forma, o cão está inserido como um membro da família e, portanto, o dono seria sim um membro de sua matilha).

Então, a partir deste contexto, vamos entender um pouco o que seriam as síndromes e transtornos que acometem os cães em especial.                                                          


Síndrome de ansiedade de separação (SAS ou SASA) é uma síndrome clínica e um dos problemas de #comportamento mais frequentemente encontrados em cães de companhia. Essa síndrome é normalmente descrita como um grupo de comportamentos que o animal apresenta quando fica sozinho em casa ou simplesmente afastado de pessoas com quem possui maior vínculo.

O ambiente e manejo dos cães, de responsabilidade do proprietário, podem influenciar o surgimento de animais positivos para SAS e consequentemente na qualidade de vida desses cães e seus proprietários.

                                               


Na clínica médica de pequenos animais há relatos frequentes de proprietários sobre a grande dificuldade que encontram de deixar seus animais em casa sozinhos. Há uma ampla discussão em torno do transtorno causado na qualidade de vida das pessoas devido à grande preocupação com o cão, com a destruição que provoca quando fica só, e queixas de vizinhos por causa dos latidos. Em geral estes são sintomas de um cão com SAS. Estes comportamentos são descritos frequentemente quando estes animais são deixados sozinhos em casa, porém o cão pode manifestar sinais de SAS mesmo quando não está só, pois o animal pode se vincular a um único indivíduo e na ausência deste, iniciam-se os sintomas. A hiper-vinculação é uma condição para diagnóstico do SAS, é a chave para diferenciação deste transtorno de outros comportamentos indesejáveis como: marcação de território, manifestações extremas de submissão, respostas a estímulos externos (pessoas fora da casa, outros cães latindo ou uivando), brincadeiras e respostas agressivas ou induzidas pelo medo.

As manifestações comportamentais do cão que sofre com ansiedade de separação geralmente são facilmente identificáveis. Cães que ao perceberem que seu dono irá se ausentar, latem ou choram ininterruptamente, tentam destruir portas, babam ou se lambem demostrando fragilidade ou se auto-mutilam de alguma forma, demostram o estresse que sofrem com este problema.

                                               

Há, porém, animais que demonstram sofrimento de maneira mais sutil, com um comportamento depressivo, não comendo ou bebendo água e ignorando quaisquer estímulos na ausência do dono.

É importante estar atento ao comportamento do animal, pois mesmo quando estes não chamam a atenção, o sofrimento físico e psicológico decorrente da #ansiedade da separação pode aumentar o risco de o animal desenvolver vários problemas de saúde.

Outra característica comum em animal com ansiedade é a hiperatividade, o animal nunca relaxa, tenta chamar atenção o tempo todo. Mais do que espaço físico o cão precisa de companhia. O cão carente e ansioso faz de tudo para chamar atenção, mesmo que de forma negativa, se a única atenção que ele receber será uma bronca. Estas tentativas podem afastar ainda mais as pessoas, formando um círculo vicioso, aumentando ainda mais a carência e a ansiedade.                                            

Para estes casos pode ser necessário tratamento médico com psicotrópicos, feromônios, florais e tratamento comportamental, além de atividades físicas.

Síndrome de lambedura - é um transtorno obsessivo compulsivo em que o animal fica se lambendo o tempo todo, principalmente nas patas causando uma dermatite no local que não cicatriza pelo constante ato de lamber, levando a uma #dermatite e que pode trazer complicações secundárias e formação de um granuloma (granuloma por lambedura) no local. O ato de lamber pode desencadear a liberação de endorfinas (substâncias naturais que promovem sensação de bem-estar). O cão aprende que lamber traz uma sensação agradável e continua a lamber. Fatores psicológicos podem estar envolvidos no transtorno obsessivo como estresse, tédio e ansiedade de separação.

                                                         


Se o cão apresentar uma lesão em que ele fique lambendo com frequência é preciso primeiro determinar a causa. Muitas vezes alergia ou outro problema que provoque uma lesão ou dermatite pode levar o animal a ficar lambendo o local. Dermatites alérgicas (pulga, alimento, de contato) ou de outras origens precisam ser excluídas para se chegar ao diagnóstico de #lambedura por ansiedade.

                                                           


O tratamento compreende os cuidados com a lesão, terapia comportamental e ocupacional, mudanças no ambiente, terapia medicamentosa, psicotrópicos, ansiolíticos, antidepressivos, florais e homeopatia assim como outros tratamentos da medicina veterinária prescritos pelo médico veterinário.

                                         


É preciso avaliar todos os fatores psicológicos ou emocionais que possam estar contribuindo para o problema. Cães de raça grande ou raças hiperativas precisam de muita atividade física, e esta é uma boa forma de se começar o tratamento. A maioria dos cães irá desenvolver problemas de comportamento, de um tipo ou outro, se eles passam muito tempo sozinhos e não fazem exercícios.

Quando eu falo em exercício não é pegar o seu cão sedentário e sair puxando por aí pela coleira, mas promover atividades saudáveis, inclusive interagindo com outros cães. É preciso ter cuidado e conhecer a condição de saúde do animal antes de promover atividades físicas.

           


Mudanças no ambiente podem gerar estresse e alterações em seu comportamento e devem ser investigadas. Por exemplo, se outro animal da família morreu, ou um novo animal foi introduzido, pode gerar ansiedade. As próprias pessoas da família devem estar atentas quando há qualquer alteração na dinâmica da casa ou rotina. Isso também vale para os gatos.

                                       


Embora medicamentos possam ser eficazes no tratamento dos sintomas de ansiedade no curto prazo, deve-se ter em mente que uma vez que o efeito da droga passe, questões semelhantes de problemas comportamentais possam recomeçar. Portanto, os esforços devem ser mais concentrados em aliviar o estresse nos animais e por meio de técnicas de modificação de comportamento.

                                           


Os gatos também apresentam distúrbios comportamentais principalmente por fatores ambientais estressantes. Na verdade, no caso deles, é uma questão ainda mais complexa que precisa de muito mais do que um post para se abordar este tema. Introdução de novos animais no ambiente, morte do proprietário ou alguém a quem era mais apegado, colônias com superpopulação, mudança de ambiente, proibição de se urinar em locais que está acostumado (o que costuma acontecer em casos de visitas ou introdução de pessoas que não gostam do convívios com gatos ou que exijam mudanças na rotina da casa) são alguns fatores que podem provocar estresse nos gatos que podem levar a patologias como obstrução urinaria, cistite intersticial, anorexia, lipidose hepática dentre outros que podem custar a vida do animal.

É preciso atenção no manejo de animais, com cuidados e enriquecimento ambiental que atendam às suas necessidades.  Colocação de prateleiras, vasilhas de comida e água em número adequado, assim como bandeja sanitárias (sempre o número igual ao de animais mais uma bandeja) ajudam para tornar este ambiente mais adequado, diminuindo os fatores estressantes para animais que vivam em maior número.

Os feromônios são substâncias químicas produzidas em determinadas partes do corpo e são capazes de suscitar reações específicas fisiológicas ou comportamentais em outros membros da mesma espécie e que estejam num determinado raio de espaço físico ocupado pelo animal excretor.
Nos gatos os feromônios possuem função de comunicação. Um exemplo disso é a "esfregadinha" que os gatos dão com seu rosto em outros animais, pessoas ou objetos. Dessa maneira eles deixam seu feromônio como uma forma de dizer "oi". Um exemplo negativo é a borrifada de urina ou arranhadura excessiva nos móveis e objetos para marcar um território.

Existe hoje no mercado um feromônio sintético felino que é usado para dar sensação de bem estar, mas só deve ser utilizado com prescrição veterinária e cada caso deve ser avaliado por um profissional para identificação da causa e escolha do tratamento mais adequado que pode ser medicamentoso associado a um programa comportamental.


Referências e sugestão de leitura:

1. Soares, Guilherme Marques; Telhado, João; Paixão, Rita Leal. " Construção e validade de um questionário para identificação da síndrome de ansiedade de separação em cães domésticos". Ciência Rural, Santa Maria V.39, n.3, p. 778 - 784 - Jun 2009.
2. B.G. dos Santos; R. Bastos; S.S Scárdua. " Síndrome de ansiedade de separação em animais: fatores individuais, ambientais e comportamentais em cães". Confict, 2013. Essentia editora, iff-edu.br.
3. Comportamento Canino - Um guia para veterinários. Bonnie V. Beaver
4. A vida emocional dos Animais - Mark Bekoff.
5. http://portalmedicinafelina.com.br





sexta-feira, 1 de maio de 2015

Esporotricose: é o fim?

Hoje vou contar a história do Thrix, um gatinho que resgatei da rua com esporotricose e aproveitar para falar um pouco sobre esta doença que poucos conhecem, e quem conhece tem pavor.
Aí está ele, deitadinho com a Chanel, virou seu guardião: 
                                                       

Existe muita lenda em torno desta doença e a desinformação, muitas vezes por parte de profissionais de saúde, inclusive médicos veterinários, só faz aumentar e disseminar o problema. Ouço algumas pessoas dizerem que seu gato contraiu a doença, mas que o próprio veterinário desaconselhou tratar. Pois bem, esta é a questão. A #esporotricose é uma doença contagiosa, provocada por um fungo chamado Sporothrix schenckii e que, na verdade, não é uma "doença do gato", mas é um fungo do ambiente, sendo encontrado em terra rica em matéria orgânica, madeiras, cascas de árvores, principalmente onde haja pouca incidência de luz solar, sendo uma doença ocupacional do jardineiro, e pessoas que lidam com jardinagem são o principal grupo de risco entre humanos. 
Onde o gato entra nesta história? O gato doméstico, assim como o cão, segue o homem aonde ele vai. Onde há urbanização, e com a penetração do homem em locais de desmatamento, aí também estão seus animais de estimação. O gato, pelo seus hábitos de enterrar fezes e de afiar unhas, e o faz também em troncos de árvores, e ainda, de brigas entre si por disputa de territórios, quando não castrados, disseminam a contaminação entre a população felina. Este fungo penetra o tecido subcutâneo pela arranhadura do gato. Ele não é um fungo de pele, como alguns pensam. Ele precisa penetrar e se multiplicar por baixo da pele e mucosas para que então se estabeleça doença. Formando então tumores e depois ulcerações que se abrem na pele, levando ao quadro típico e facilmente detectável da doença. 
Se por um lado, o fato de ser uma doença fúngica subcutânea reduz as chances de contaminação, por outro dificulta o tratamento. Medicamentos antifúngicos de uso tópicos não são indicados e sim medicações administradas por via oral.
Importante saber que para um gato disseminar a doença ele não precisa necessariamente estar com a doença e arranhar outro animal ou pessoa, embora se torne mais fácil assim, mas ele apenas precisa ter formas do fungo nas unhas. Assim como pode acontecer se a pessoa se cortar com instrumentos de jardinagem contaminados, farpas, espinhos. É um ato mecânico que permite a penetração do fungo através da pele.

Aí está ele no dia em que o resgatei. Uma cena dramática, como ele é, não só pela condição, da doença e o abandono, mas porque depois eu descobri convivendo com ele, que o drama faz parte da sua "personalidade". Não dá para ver direito, mas há um tumor ulcerado, típico da doença, em seu focinho, como também em suas patas traseiras



Voltemos à cena: um gatinho triste, cabisbaixo, equilibrando-se em uma pequena folha de papel. Ali foi deixado e permaneceu por quase todo o dia. Quem passava percebia aquele drama.
Comentei com uma pessoa sobre a possibilidade da doença e esta curiosa foi lá perto dele conferir. Nesse momento ele olhou para a pessoa e se espreguiçou parecendo pensar consigo mesmo: "opa, que bom que você chegou para me ajudar!" E eu assistindo a tudo isso mais uma vez não podia ficar indiferente. Eu até tentei. 
Alguns podem perguntar: "por que você tentou ficar indiferente? Como pode ser tão insensível?" Outros já perguntam: "Caramba, você quer salvar o mundo?". Tudo é uma questão de decisão e eu decidi agir. Mas como fazer? Levar para casa um animal com uma doença contagiosa, correndo o risco de contaminar meus animais e ambiente que, até onde sei, parece estar livre do fungo? Corri o risco. O fato de conhecer a epidemiologia da doença facilitou na decisão. Levei o gatinho para casa, o mantive preso em um local de fácil manutenção e desinfecção, onde poderia medicá-lo todos os dias, por um longo período. E assim foi feito.



Porém o que mais me incomodava não era o fato de dar a medicação todos os dias, apenas uma vez por dia, ou prendê-lo na caixinha de transporte para lavar o local diariamente e colocá-lo para banho de sol.. Definitivamente não era o trabalho. Era o fato dele não ser castrado. Eu nunca havia mantido um gato não castrado em casa, e durante o primeiro mês de tratamento tive que conviver com miados estridentes e cheiro forte de urina típico dos gatos não castrados ou inteiros. Fui forte, só eu sei o drama.
Mas assim que as feridas começaram o processo de cicatrização, com resultados de exames de sangue normais,  lá estava o Thrix passando pelo procedimento cirúrgico. Ufa! Logo, logo ele estava calminho e a paz voltou a reinar em casa. Mas ele continuava lá, preso. Não podia correr  risco de contaminar ninguém. Ele ainda teria que se adaptar aos meus animais, e brigas entre os gatos é uma forma de disseminação na doença.
Até me arrependo de não ter fotos dele com as feridas abertas, mas o que não faltam na internet são fotos de gatos com feridas de esporotricose, prefiro deixar aqui as impressões bonitinhas do Thrix. Porque antes de ser um "esporento" ele é um gato fofo que alguém esqueceu de castrar e preferiu abandonar depois que ficou doente. Mas nesta foto a seguir é possível ver a cicatriz da ferida.

Importante lembrar que fungos, sejam cutâneos ou não,  são difíceis de tratar, e o tratamento deve ser longo e persistir por um tempo depois da remissão do quadro clínico. E no caso do Sporothrix, ele pode permanecer na cicatriz, podendo retornar depois da interrupção do tratamento.
                                         
                                             
                                                                               
                                                                      
Alguns meses depois foi liberado do cárcere e todo metido se apoderou de uma das caminhas das cadelas. Mas o tratamento segue firme e Thrix todos os dias tem no café da manhã seu sachet preferido reforçado com a medicação. Se ele percebe ou não a presença do medicamento eu não sei, só sei que ele não deixa nada no potinho e até lambe os lábios depois, satisfeito.



Ah! O nome Thrix foi escolhido após a postagem desta foto na internet, onde surgiram nomes como folgado (por que será?) e schencii, por causa do nome do fungo. Thrix  me pareceu mais a cara dele. 

Conversando com um colega médico veterinário que trabalha com saúde pública, ele estava me falando do crescimento da incidência da doença e que a desinformação, aliada ao medo de tratar e se contaminar, com médicos veterinários que indicam a eutanásia como única forma de lidar com a doença, acabam promovendo o aumento do abandono de animais doentes e a proliferação da doença. Orientar corretamente com informação sobre tratamento e cuidados necessários para que a pessoa possa agir adequadamente é a melhor saída. Criar pânico só piora as coisas. Muitos proprietários não praticam a eutanásia por pena, outros por não quererem e não poderem pagar pelo procedimento. Ou quando fazem em um gato, depois que percebem que outros animais estão doentes, preferem abandonar. 
O tratamento não é tão complicado. E o principal cuidado é manter o animal isolado de outros durante o tratamento e evitar contato direto para não ser arranhada pelo animal.

                                                           

Uma tarde eu estava deitada no sofá e quando abro os olhos dou de cara com estes dois faróis me olhando. Que susto, Thrix! Parecia querer agradecer. 




Ele realmente reconhece a dedicação que tive a ele. Ele é brigão, invocadinho mesmo. Não deixa ninguém chegar perto da Chanel, nem de mim. Mas comigo é impressionantemente submisso. O que eu quiser fazer com ele eu faço, sem nunca ter qualquer reação negativa. Entendo isso como uma forma de gratidão.



Valeu a pena todo o esforço. Sempre vale, principalmente quando a gente vê o resultado. E mesmo quando não tem um resultado positivo, poder dar o mínimo de atenção e cuidado é sempre um alento. Thrix é ou não um aristogato vira-lata, a cara da riqueza? O verdadeiro manda chuva do pedaço.