terça-feira, 12 de maio de 2015

Animais sofrem de ansiedade e depressão?

Algumas pessoas acham até engraçado quando a gente comenta que animais sofrem de ansiedade, depressão, estresse. Na verdade, as pessoas em geral têm dificuldade de entender o que acontece com as próprias pessoas que sofrem dessas síndromes. Dizer que alguém sofre de um problema psicológico ou de fundo emocional é como se dissesse que a pessoa está inventando um problema, criando em sua cabeça, quando na verdade não é nada disso. Muitas das doenças que sofremos nos dias atuais se devem ao estilo de vida que vivemos, que geram expectativas, ansiedade, frustração, medo, dentre outros problemas que começam com uma alteração no estado emocional e que podem gerar doenças físicas.

                                                       


Até há pouco tempo quando se dizia que uma pessoa estava somatizando era como se dissesse: Você está inventando um problema que não existe e agora seu corpo está sentindo a consequência disso. Só que na verdade as coisas não são tão simples assim. Aliás, nada simples.

Mas  o que eu estou querendo dizer com isso é que com toda essa dificuldade que temos de entender a nossa própria espécie, e até a nós mesmos como indivíduos, não é de se estranhar a reação das pessoas quando se diz que um animalzinho esteja sofrendo de problemas de fundo emocional. Muita destas alterações também se devem ao nosso estilo de vida e que impomos aos animais que convivem conosco.

Os cães estão geneticamente condicionados a acreditarem que estar em grupo aumenta as chances de sobrevivência, pois seus antepassados tinham melhores chances de se alimentar e defender quando atuavam em conjunto. Esta necessidade herdada permaneceu nos cães domesticados, que vêem seu dono como chefe da matilha e, por isso, sofrem com sua ausência (existe uma tendência positivista hoje que diz que não, que os cães não veriam seus donos como líderes, ou que não competem com ele por esta liderança, mas são linhas de raciocínio e de qualquer forma, o cão está inserido como um membro da família e, portanto, o dono seria sim um membro de sua matilha).

Então, a partir deste contexto, vamos entender um pouco o que seriam as síndromes e transtornos que acometem os cães em especial.                                                          


Síndrome de ansiedade de separação (SAS ou SASA) é uma síndrome clínica e um dos problemas de #comportamento mais frequentemente encontrados em cães de companhia. Essa síndrome é normalmente descrita como um grupo de comportamentos que o animal apresenta quando fica sozinho em casa ou simplesmente afastado de pessoas com quem possui maior vínculo.

O ambiente e manejo dos cães, de responsabilidade do proprietário, podem influenciar o surgimento de animais positivos para SAS e consequentemente na qualidade de vida desses cães e seus proprietários.

                                               


Na clínica médica de pequenos animais há relatos frequentes de proprietários sobre a grande dificuldade que encontram de deixar seus animais em casa sozinhos. Há uma ampla discussão em torno do transtorno causado na qualidade de vida das pessoas devido à grande preocupação com o cão, com a destruição que provoca quando fica só, e queixas de vizinhos por causa dos latidos. Em geral estes são sintomas de um cão com SAS. Estes comportamentos são descritos frequentemente quando estes animais são deixados sozinhos em casa, porém o cão pode manifestar sinais de SAS mesmo quando não está só, pois o animal pode se vincular a um único indivíduo e na ausência deste, iniciam-se os sintomas. A hiper-vinculação é uma condição para diagnóstico do SAS, é a chave para diferenciação deste transtorno de outros comportamentos indesejáveis como: marcação de território, manifestações extremas de submissão, respostas a estímulos externos (pessoas fora da casa, outros cães latindo ou uivando), brincadeiras e respostas agressivas ou induzidas pelo medo.

As manifestações comportamentais do cão que sofre com ansiedade de separação geralmente são facilmente identificáveis. Cães que ao perceberem que seu dono irá se ausentar, latem ou choram ininterruptamente, tentam destruir portas, babam ou se lambem demostrando fragilidade ou se auto-mutilam de alguma forma, demostram o estresse que sofrem com este problema.

                                               

Há, porém, animais que demonstram sofrimento de maneira mais sutil, com um comportamento depressivo, não comendo ou bebendo água e ignorando quaisquer estímulos na ausência do dono.

É importante estar atento ao comportamento do animal, pois mesmo quando estes não chamam a atenção, o sofrimento físico e psicológico decorrente da #ansiedade da separação pode aumentar o risco de o animal desenvolver vários problemas de saúde.

Outra característica comum em animal com ansiedade é a hiperatividade, o animal nunca relaxa, tenta chamar atenção o tempo todo. Mais do que espaço físico o cão precisa de companhia. O cão carente e ansioso faz de tudo para chamar atenção, mesmo que de forma negativa, se a única atenção que ele receber será uma bronca. Estas tentativas podem afastar ainda mais as pessoas, formando um círculo vicioso, aumentando ainda mais a carência e a ansiedade.                                            

Para estes casos pode ser necessário tratamento médico com psicotrópicos, feromônios, florais e tratamento comportamental, além de atividades físicas.

Síndrome de lambedura - é um transtorno obsessivo compulsivo em que o animal fica se lambendo o tempo todo, principalmente nas patas causando uma dermatite no local que não cicatriza pelo constante ato de lamber, levando a uma #dermatite e que pode trazer complicações secundárias e formação de um granuloma (granuloma por lambedura) no local. O ato de lamber pode desencadear a liberação de endorfinas (substâncias naturais que promovem sensação de bem-estar). O cão aprende que lamber traz uma sensação agradável e continua a lamber. Fatores psicológicos podem estar envolvidos no transtorno obsessivo como estresse, tédio e ansiedade de separação.

                                                         


Se o cão apresentar uma lesão em que ele fique lambendo com frequência é preciso primeiro determinar a causa. Muitas vezes alergia ou outro problema que provoque uma lesão ou dermatite pode levar o animal a ficar lambendo o local. Dermatites alérgicas (pulga, alimento, de contato) ou de outras origens precisam ser excluídas para se chegar ao diagnóstico de #lambedura por ansiedade.

                                                           


O tratamento compreende os cuidados com a lesão, terapia comportamental e ocupacional, mudanças no ambiente, terapia medicamentosa, psicotrópicos, ansiolíticos, antidepressivos, florais e homeopatia assim como outros tratamentos da medicina veterinária prescritos pelo médico veterinário.

                                         


É preciso avaliar todos os fatores psicológicos ou emocionais que possam estar contribuindo para o problema. Cães de raça grande ou raças hiperativas precisam de muita atividade física, e esta é uma boa forma de se começar o tratamento. A maioria dos cães irá desenvolver problemas de comportamento, de um tipo ou outro, se eles passam muito tempo sozinhos e não fazem exercícios.

Quando eu falo em exercício não é pegar o seu cão sedentário e sair puxando por aí pela coleira, mas promover atividades saudáveis, inclusive interagindo com outros cães. É preciso ter cuidado e conhecer a condição de saúde do animal antes de promover atividades físicas.

           


Mudanças no ambiente podem gerar estresse e alterações em seu comportamento e devem ser investigadas. Por exemplo, se outro animal da família morreu, ou um novo animal foi introduzido, pode gerar ansiedade. As próprias pessoas da família devem estar atentas quando há qualquer alteração na dinâmica da casa ou rotina. Isso também vale para os gatos.

                                       


Embora medicamentos possam ser eficazes no tratamento dos sintomas de ansiedade no curto prazo, deve-se ter em mente que uma vez que o efeito da droga passe, questões semelhantes de problemas comportamentais possam recomeçar. Portanto, os esforços devem ser mais concentrados em aliviar o estresse nos animais e por meio de técnicas de modificação de comportamento.

                                           


Os gatos também apresentam distúrbios comportamentais principalmente por fatores ambientais estressantes. Na verdade, no caso deles, é uma questão ainda mais complexa que precisa de muito mais do que um post para se abordar este tema. Introdução de novos animais no ambiente, morte do proprietário ou alguém a quem era mais apegado, colônias com superpopulação, mudança de ambiente, proibição de se urinar em locais que está acostumado (o que costuma acontecer em casos de visitas ou introdução de pessoas que não gostam do convívios com gatos ou que exijam mudanças na rotina da casa) são alguns fatores que podem provocar estresse nos gatos que podem levar a patologias como obstrução urinaria, cistite intersticial, anorexia, lipidose hepática dentre outros que podem custar a vida do animal.

É preciso atenção no manejo de animais, com cuidados e enriquecimento ambiental que atendam às suas necessidades.  Colocação de prateleiras, vasilhas de comida e água em número adequado, assim como bandeja sanitárias (sempre o número igual ao de animais mais uma bandeja) ajudam para tornar este ambiente mais adequado, diminuindo os fatores estressantes para animais que vivam em maior número.

Os feromônios são substâncias químicas produzidas em determinadas partes do corpo e são capazes de suscitar reações específicas fisiológicas ou comportamentais em outros membros da mesma espécie e que estejam num determinado raio de espaço físico ocupado pelo animal excretor.
Nos gatos os feromônios possuem função de comunicação. Um exemplo disso é a "esfregadinha" que os gatos dão com seu rosto em outros animais, pessoas ou objetos. Dessa maneira eles deixam seu feromônio como uma forma de dizer "oi". Um exemplo negativo é a borrifada de urina ou arranhadura excessiva nos móveis e objetos para marcar um território.

Existe hoje no mercado um feromônio sintético felino que é usado para dar sensação de bem estar, mas só deve ser utilizado com prescrição veterinária e cada caso deve ser avaliado por um profissional para identificação da causa e escolha do tratamento mais adequado que pode ser medicamentoso associado a um programa comportamental.


Referências e sugestão de leitura:

1. Soares, Guilherme Marques; Telhado, João; Paixão, Rita Leal. " Construção e validade de um questionário para identificação da síndrome de ansiedade de separação em cães domésticos". Ciência Rural, Santa Maria V.39, n.3, p. 778 - 784 - Jun 2009.
2. B.G. dos Santos; R. Bastos; S.S Scárdua. " Síndrome de ansiedade de separação em animais: fatores individuais, ambientais e comportamentais em cães". Confict, 2013. Essentia editora, iff-edu.br.
3. Comportamento Canino - Um guia para veterinários. Bonnie V. Beaver
4. A vida emocional dos Animais - Mark Bekoff.
5. http://portalmedicinafelina.com.br





sexta-feira, 1 de maio de 2015

Esporotricose: é o fim?

Hoje vou contar a história do Thrix, um gatinho que resgatei da rua com esporotricose e aproveitar para falar um pouco sobre esta doença que poucos conhecem, e quem conhece tem pavor.
Aí está ele, deitadinho com a Chanel, virou seu guardião: 
                                                       

Existe muita lenda em torno desta doença e a desinformação, muitas vezes por parte de profissionais de saúde, inclusive médicos veterinários, só faz aumentar e disseminar o problema. Ouço algumas pessoas dizerem que seu gato contraiu a doença, mas que o próprio veterinário desaconselhou tratar. Pois bem, esta é a questão. A #esporotricose é uma doença contagiosa, provocada por um fungo chamado Sporothrix schenckii e que, na verdade, não é uma "doença do gato", mas é um fungo do ambiente, sendo encontrado em terra rica em matéria orgânica, madeiras, cascas de árvores, principalmente onde haja pouca incidência de luz solar, sendo uma doença ocupacional do jardineiro, e pessoas que lidam com jardinagem são o principal grupo de risco entre humanos. 
Onde o gato entra nesta história? O gato doméstico, assim como o cão, segue o homem aonde ele vai. Onde há urbanização, e com a penetração do homem em locais de desmatamento, aí também estão seus animais de estimação. O gato, pelo seus hábitos de enterrar fezes e de afiar unhas, e o faz também em troncos de árvores, e ainda, de brigas entre si por disputa de territórios, quando não castrados, disseminam a contaminação entre a população felina. Este fungo penetra o tecido subcutâneo pela arranhadura do gato. Ele não é um fungo de pele, como alguns pensam. Ele precisa penetrar e se multiplicar por baixo da pele e mucosas para que então se estabeleça doença. Formando então tumores e depois ulcerações que se abrem na pele, levando ao quadro típico e facilmente detectável da doença. 
Se por um lado, o fato de ser uma doença fúngica subcutânea reduz as chances de contaminação, por outro dificulta o tratamento. Medicamentos antifúngicos de uso tópicos não são indicados e sim medicações administradas por via oral.
Importante saber que para um gato disseminar a doença ele não precisa necessariamente estar com a doença e arranhar outro animal ou pessoa, embora se torne mais fácil assim, mas ele apenas precisa ter formas do fungo nas unhas. Assim como pode acontecer se a pessoa se cortar com instrumentos de jardinagem contaminados, farpas, espinhos. É um ato mecânico que permite a penetração do fungo através da pele.

Aí está ele no dia em que o resgatei. Uma cena dramática, como ele é, não só pela condição, da doença e o abandono, mas porque depois eu descobri convivendo com ele, que o drama faz parte da sua "personalidade". Não dá para ver direito, mas há um tumor ulcerado, típico da doença, em seu focinho, como também em suas patas traseiras



Voltemos à cena: um gatinho triste, cabisbaixo, equilibrando-se em uma pequena folha de papel. Ali foi deixado e permaneceu por quase todo o dia. Quem passava percebia aquele drama.
Comentei com uma pessoa sobre a possibilidade da doença e esta curiosa foi lá perto dele conferir. Nesse momento ele olhou para a pessoa e se espreguiçou parecendo pensar consigo mesmo: "opa, que bom que você chegou para me ajudar!" E eu assistindo a tudo isso mais uma vez não podia ficar indiferente. Eu até tentei. 
Alguns podem perguntar: "por que você tentou ficar indiferente? Como pode ser tão insensível?" Outros já perguntam: "Caramba, você quer salvar o mundo?". Tudo é uma questão de decisão e eu decidi agir. Mas como fazer? Levar para casa um animal com uma doença contagiosa, correndo o risco de contaminar meus animais e ambiente que, até onde sei, parece estar livre do fungo? Corri o risco. O fato de conhecer a epidemiologia da doença facilitou na decisão. Levei o gatinho para casa, o mantive preso em um local de fácil manutenção e desinfecção, onde poderia medicá-lo todos os dias, por um longo período. E assim foi feito.



Porém o que mais me incomodava não era o fato de dar a medicação todos os dias, apenas uma vez por dia, ou prendê-lo na caixinha de transporte para lavar o local diariamente e colocá-lo para banho de sol.. Definitivamente não era o trabalho. Era o fato dele não ser castrado. Eu nunca havia mantido um gato não castrado em casa, e durante o primeiro mês de tratamento tive que conviver com miados estridentes e cheiro forte de urina típico dos gatos não castrados ou inteiros. Fui forte, só eu sei o drama.
Mas assim que as feridas começaram o processo de cicatrização, com resultados de exames de sangue normais,  lá estava o Thrix passando pelo procedimento cirúrgico. Ufa! Logo, logo ele estava calminho e a paz voltou a reinar em casa. Mas ele continuava lá, preso. Não podia correr  risco de contaminar ninguém. Ele ainda teria que se adaptar aos meus animais, e brigas entre os gatos é uma forma de disseminação na doença.
Até me arrependo de não ter fotos dele com as feridas abertas, mas o que não faltam na internet são fotos de gatos com feridas de esporotricose, prefiro deixar aqui as impressões bonitinhas do Thrix. Porque antes de ser um "esporento" ele é um gato fofo que alguém esqueceu de castrar e preferiu abandonar depois que ficou doente. Mas nesta foto a seguir é possível ver a cicatriz da ferida.

Importante lembrar que fungos, sejam cutâneos ou não,  são difíceis de tratar, e o tratamento deve ser longo e persistir por um tempo depois da remissão do quadro clínico. E no caso do Sporothrix, ele pode permanecer na cicatriz, podendo retornar depois da interrupção do tratamento.
                                         
                                             
                                                                               
                                                                      
Alguns meses depois foi liberado do cárcere e todo metido se apoderou de uma das caminhas das cadelas. Mas o tratamento segue firme e Thrix todos os dias tem no café da manhã seu sachet preferido reforçado com a medicação. Se ele percebe ou não a presença do medicamento eu não sei, só sei que ele não deixa nada no potinho e até lambe os lábios depois, satisfeito.



Ah! O nome Thrix foi escolhido após a postagem desta foto na internet, onde surgiram nomes como folgado (por que será?) e schencii, por causa do nome do fungo. Thrix  me pareceu mais a cara dele. 

Conversando com um colega médico veterinário que trabalha com saúde pública, ele estava me falando do crescimento da incidência da doença e que a desinformação, aliada ao medo de tratar e se contaminar, com médicos veterinários que indicam a eutanásia como única forma de lidar com a doença, acabam promovendo o aumento do abandono de animais doentes e a proliferação da doença. Orientar corretamente com informação sobre tratamento e cuidados necessários para que a pessoa possa agir adequadamente é a melhor saída. Criar pânico só piora as coisas. Muitos proprietários não praticam a eutanásia por pena, outros por não quererem e não poderem pagar pelo procedimento. Ou quando fazem em um gato, depois que percebem que outros animais estão doentes, preferem abandonar. 
O tratamento não é tão complicado. E o principal cuidado é manter o animal isolado de outros durante o tratamento e evitar contato direto para não ser arranhada pelo animal.

                                                           

Uma tarde eu estava deitada no sofá e quando abro os olhos dou de cara com estes dois faróis me olhando. Que susto, Thrix! Parecia querer agradecer. 




Ele realmente reconhece a dedicação que tive a ele. Ele é brigão, invocadinho mesmo. Não deixa ninguém chegar perto da Chanel, nem de mim. Mas comigo é impressionantemente submisso. O que eu quiser fazer com ele eu faço, sem nunca ter qualquer reação negativa. Entendo isso como uma forma de gratidão.



Valeu a pena todo o esforço. Sempre vale, principalmente quando a gente vê o resultado. E mesmo quando não tem um resultado positivo, poder dar o mínimo de atenção e cuidado é sempre um alento. Thrix é ou não um aristogato vira-lata, a cara da riqueza? O verdadeiro manda chuva do pedaço.

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Esquema de vacinas em filhotes. O mito das três doses.

Hoje vou falar sobre a questão das vacinas de filhotes. Muitas pessoas sabem que os filhotes precisam fazer o esquema de vacina diferente dos adultos, que os filhotes precisam tomar as “três doses” de filhote. A questão é que quando se coloca desta forma, cria-se a falsa verdade de que tomando as três doses o animal estará protegido. Então vamos falar um pouquinho do motivo destas três doses e quando isso não é uma verdade absoluta.  




Quando o filhote recebe o leite da mãe, se esta mãe foi previamente e corretamente imunizada, ele recebe os anticorpos maternos, e neste período ele estará protegido. Porém esta é uma fase muito crítica do ponto de vista imunológico, onde o filhote ainda não tem seu sistema Imune plenamente desenvolvido, e, portanto, também pode não responde completamente a estas doses de vacina. O objetivo é exclusivamente começar a produzir defesa para esta fase da vida e ela não vai durar muito tempo. Portanto são necessárias doses subsequentes a cada 3 ou 4 semanas.

Além disso, recomenda-se confinar o animal em casa até ser completado o esquema, porque como ele recebeu o leite materno de uma mãe corretamente imunizada, ele terá a proteção destes anticorpos que irão atuar inclusive contra os antígenos da vacina, podendo inativá-la.

O filhote só tem seu sistema Imune amadurecido aos 4 meses de idade, e somente então ele terá uma resposta imunológica satisfatória, gerando um nível de proteção que persistirá por um período longo, variando para cada tipo de doença. 

                                                               



Quais são os filhotes que precisam realmente ser imunizados mais cedo?

Os filhotes órfãos ou que a mãe não tenha sido corretamente imunizada ao longo de sua vida. Aos trinta dias podem-se realizar vacinas bivalentes apenas (#cinomose e #parvovirose), nunca as vacinas polivalentes, como óctupla, #déctupla ou mais. Aos quarenta e cinco dias, alguns fazem antes, pode-se começar a proceder as vacinas polivalentes. Mas existe um problema quando se começa a vacinar cedo demais. Aí entra a questão do mito das três doses de filhote. Se um filhote só atinge sua maturidade imunológica aos 4 meses de idade (16 semanas), e se começa a vacinar cedo demais, sendo realizado doses com intervalos de 21 ou 30 dias, este animal terá terminado este esquema de três doses cedo demais, bem antes dos quatro meses, o que não garantirá uma proteção adequada e duradoura. 

O que faz com que as pessoas comecem a vacinar animais cedo demais e com intervalos menores é a ideia de que assim poderão liberar estes filhotes para passeios mais cedo, mas isso pode ser um tiro no pé, se este animal não foi adequadamente imunizado. Isso não depende da vacina, tampouco da vontade e experiência do médico veterinário, muito menos das vivências dos criadores e tutores. Esta adequada imunização depende única e exclusivamente da resposta imunológica de cada indivíduo, da fase de vida deste animal e dos anticorpos recebidos da mãe.

Sem esquecer de que quando estou falando de #vacina, estou falando de vacinas éticas, armazenadas e aplicadas por médicos veterinários em animais saudáveis. 




A respeito dos gatinhos, até bem pouco tempo era preconizado apenas duas dose de filhotes. Até hoje muitos ainda fazem assim. No entanto o Dr Archivaldo Reche, especialista em felinos domésticos, já preconiza para estes três doses das vacinas polivalentes específicas para gatos.




Não há problema em se começar mais cedo a vacina, (desde que, como eu falei, se faça a vacina correta para a idade), porém, e é aqui que estamos falhando, que se procedam as doses subsequentes em intervalos de 21 ou 30 dias até que a última dose seja feita após o quarto mês, ou 16 semanas, de idade. Então pode ser que sejam necessárias mais doses e não somente as tais três doses. Então não se assuste quando o médico veterinário recomendar doses a mais para o seu animal, porque o esquema de vacina de cada animal deve ser estabelecido de acordo com cada caso. 




Fontes:
Dra Norma Vollmer Labarthie – UFF/Fiocruz
Dra Maria Alessandra del Barrio – PUC MG  Poços de Caldas.
Prof. Dr Archivaldo Reche - USP


terça-feira, 7 de abril de 2015

Desmame precoce, retirada da ninhada e problemas comportamentais.

Hoje vou falar sobre um assunto com o qual venho me deparando cada dia com mais frequência na clínica, que são os animais desmamados, retirados da mãe e da ninhada cedo demais. São duas situações que podem estar relacionadas entre si. Cãezinhos chegando cada vez mais cedo para vacinar e outros um pouco mais velhos, mas ainda muito jovens, que ficam passando de mão em mão, de tutor em tutor, por causa de problemas comportamentais.

                                               
                                               

Recebo com muita frequência para consulta pediátrica de rotina e primeira vacina animaizinhos que foram recém-adquiridos, ou ainda, muitas vezes por opção mesmo,  a pessoa retira o animal para criar na mamadeira (particularmente acho isso bizarro), simplesmente porque acha bonitinho e quer postar fotos no Instagram do seu animalzinho mamando. E do outro lado temos "criadores" de animais que pouco se importam com a qualidade de vida destes animaizinhos, querendo mesmo é vender o quanto antes.

Porém não demora muito para começarem as reclamações com o comportamento destes cãezinhos, que mordem tudo, não obedecem, são medrosos, latem demais, choram demais, estão se tornando agressivos, enfim, uma infinidade de distúrbios comportamentais que fazem o proprietário procurar ajuda para solucionar o problema, para os quais eu sempre recomendo consulta comportamental. Muito mais para orientar os tutores a lidar e educar os filhotes. Menos mal. Pior são os casos cada vez mais comuns de animaizinhos muito jovens, com cinco, seis, sete meses de idade que passam de mão em mão já que a gracinha dos primeiros dias passou e o que fica é um filhote totalmente desorientado, estressado, medroso e até agressivo.

Então, que tal tentarmos entender a origem do problema? Ouço muitas pessoas dizerem que isso é o certo, que todo criador faz assim (não mesmo!), que são os veterinários que recomendam (menos ainda!). Como disse um amigo recentemente, "muitas vezes nos acostumamos tanto com o errado, que o errado passa a ser o novo normal".

Filhotes desmamados precocemente podem, além de problemas comportamentais, desenvolver problemas relacionados à saúde devido a sua imaturidade imunológica, desnutrição, distúrbios gastrointestinais por não adaptação alimentar ou dificuldade de absorção de nutrientes, manifestação de doenças pré-existentes e maior susceptibilidade a doenças infecciosas.

Existe um trabalho sobre desmame precoce e ritmo circadiano (período de sono e vigília) em ratos e camundongos, que foi extrapolado para humanos e igualmente pode  ser para nossos animais de estimação. Nele foi descrito que a lactação, ou amamentação, é um período crítico, pois nele ocorre importante desenvolvimento neuro comportamental e a interação  mãe-filho tem grande participação neste processo.

Nesta fase, mudanças ambientais, assim como desnutrição, as alterações hormonais ou o estresse neonatal demonstraram aumentar as respostas orgânicas (autonômicas) a agentes estressantes (por hiperatividade do eixo hipotalâmico-pituitário- adrenal, HPA) e em longo prazo tendo provocado alterações comportamentais como aumento da ansiedade em ratos (pelo aumento da ingestão de alimentos e alteração do ritmo circadiano - vigília x sono) e o aumento da agressividade em camundongos.

Vários estudos experimentais  demonstraram que o desmame precoce provoca aumento de comportamentos ansiosos e da agressividade na vida adulta talvez em decorrência da hiperatividade do eixo HPA e do aumento dos níveis circulantes de glicocorticoides no repouso e em resposta a agentes estressores.

Para entender de forma prática o que ocorre com os cãezinhos, a Dra Daniele Graziani, que é médica veterinária comportamentalista, descreve como ocorre o desmame natural dos filhotes.

Desmame Natural:

  • Os filhotes passam a ter dentes, começam a incomodar a mãe. Ela passa a sair com mais frequência do ninho e a ficar cada vez mais tempo fora.
  • Os cãezinhos no início choram, mas aprendem que chorar não resolve e que a mãe volta no seu tempo. 
  • Os filhotes começam a explorar o território e se tornam mais seguros, menos dependentes e principalmente aprendem a lidar com frustrações.
  • Passam a observar a mãe comendo e repetem o comportamento aprendendo a se alimentar sozinho, ocorrendo uma transição alimentar gradativa e natural.
  • Quanto mais tempo permanecer com a mãe e irmãos mais vai aprender sobre linguagem canina, limites e demais comportamentos. 

O período de socialização dos cães acontece dos 22 a 84 dias, no qual desenvolve convivência com outros cães e outras espécies, desenvolvem hierarquia e dependem grandemente do ambiente. É muito importante para o desenvolvimento psicológico saudável que o cão tenha convivência com mãe, irmãos e também com pessoas de várias idades.

                                                               
                                         


Mas, ao invés disso, o que acontece no desmame precoce?

  • Cãezinhos desmamados com 45 dias, 30 dias ou menos, têm seu processo natural feito pela mãe interrompido, perdendo a oportunidade de aprender com ela, mostrando-se animais com dificuldades em lidar com frustrações, inseguros, agitados e desobedientes.
  • Ao se adquirir um animal, deve-se deixar o máximo possível com a mãe e ele tenderá a ser mais equilibrado e obediente.
  • Caso tenha sido retirado da ninhada antes de 2 meses de idade deve-se socializá-lo com outros cães e pessoas de várias idades.
  • se apresente comportamento aversivo e medroso com pessoas, outros animais ou objetos deve-se fazer terapia comportamental para aprender a lidar com a fonte do medo.

O período de socialização também chamado de imprinting é uma das primeiras fases da vida do animal (inclusive humanos) em que ele aprende aspectos sociais e psicológicos da sua espécie, como comportamento e comunicação, formando a sua "personalidade". Foi Konrad Lorenz, prêmio Nobel de fisiologia/medicina em 1973, em um estudo sobre comportamento animal em gansos, que descobriu que o imprinting acontece em um período curto, chamado período crítico ou período sensível. 

Sendo assim, é neste período que o cão vai aprender a ser um cão. É quando ocorre o desenvolvimento social do filhote dentro da matilha. É neste período que ele desenvolve habilidade de comunicação com outro cães. O que é mal aprendido nesta fase pode ser muito difícil de resolver depois. É nesta fase que a mãe e outros cães adultos corrigem certas atitudes indesejadas. 
Como podemos ver esta fase de socialização é muito importante para o desenvolvimento comportamental do filhote, onde ele aprende a ser um cão, a respeitar hierarquia, a ter limites, e aceitar outros animais da sua própria espécie, entendendo que ele faz parte dela. 

                                                   
                                 


Entendo que você deva estar se perguntando como socializar o animalzinho com outras pessoas e animais se ao adquiri-lo cedo você deve mantê-lo isolado em casa até a complementação do esquema de vacina para não adquirir doenças infecciosas. 

Antes de se retirar o animal da ninhada, da convivência com mãe e irmãos o ideal é se começar o esquema de vacina, com 45 dias. E não o contrário. Quando for retirar o animal da ninhada antes ou após a segunda dose da vacina, este animal estará por volta dos dois ou três meses de idade , ele já vai estar muito mais apto a ser retirado da ninhada, do ponto de vista imunológico e comportamental, e ainda estará dentro do período de socialização, podendo perfeitamente ser acostumado e socializado com sua nova família e ambiente. 

Assim poderíamos evitar tantos problemas futuros como abandono de cães em abrigos, troca de tutores por causa de problemas comportamentais, famílias estressadas com um animalzinho desorientado, além de problemas como a humanização de cães e alterações como síndrome de lambedura por ansiedade, ansiedade por separação e tantos outros.

A vida é perfeita, nós é que complicamos tudo. Na melhor das intenções, é verdade.

Assista a este vídeo de uma família canina socializando. Quando se faz com amor tudo é possível e prazeroso.




Para quem quiser se orientar melhor, aqui estão algumas de minhas referências: 

1. Lima, Deise Pereira; Souza, Sandra Lopes "Desmame Precoce: efeitos sobre a sequência comportamental da saciedade e ritmo circadiano de consumo alimentar", UFPE. 
2. "Desmame Natural" Daniela Graziani. 2013. http://www.terapeutacanina.com.br/?p=172
3. "A hora ideal de retirar o filhote da ninhada" Tudo sobre cachorro.   http://tudosobrecachorros.com.br/2012/12

4. Livro "Os Fundamentos da Etologia", Konrad Lorenz

terça-feira, 31 de março de 2015

O momento de procurar o atendimento médico veterinário.

O animal está para o veterinário, assim como uma criança pequena para o pediatra. Ele não fala, não consegue dizer o que está sentido, porém ele expressa seu mal estar de várias formas. No entanto, na vida selvagem, um animal doente é uma presa fácil de ser abatida, o que faz com que, por instinto, independente da espécie, ele tente esconder ao máximo que não está bem.

Quando um animal começa a dar sinais de que algo não está bem, muitas vezes o problema pode estar muito avançado, e muitos sinais podem ser percebidos pelo responsável mais cuidadoso, mas nem todos conseguem perceber. Geralmente o animal procura aquela pessoa em quem ele mais confia para expressar de alguma forma seu mal estar, mas na maioria das vezes, ele tende a ficar quieto, procura se esconder, reflexo instintivo da vida selvagem, em que somente os mais fortes sobrevivem.

                                                       


Porém as mudanças de comportamento são evidentes, basta um olhar mais cuidadoso. O animal deixa de fazer festinha com a chegada do dono, fica muito tempo deitado, urina em locais inapropriados ou com mais freqüência, com maior ou menor quantidade, deixa de comer, come menos ou passa a não aceitar a comida que estava acostumado, chora ao ser tocado, rosna ao ser tocado, anda com mais dificuldade, de alguma forma ele apresenta sinais de alteração comportamental que nos fazem suspeitar que algo não vai bem. Esta é, sem dúvida,  a hora de procurar o veterinário, munido do maior número de informações possível.

No entanto, muitas vezes, não é isso que acontece. Neste momento o proprietário começa a lançar mão de todas as fórmulas caseiras e medicamentosas que conhece, em segundo momento recorre aos amigos, donos de animais, balconistas de pet shops, Google e, ainda pior, Yahoo respostas. Além de não ser capaz de perceber alterações que só o clínico pode avaliar, este proprietário está perdendo tempo, e o problema avançando, porque como disse no início do texto, o animal não reclama de um mal estar, uma dor de cabeça, ouvido, coluna, cólica, como fazemos, muitas destas situações que muitas vezes nos fazem procurar o médico, eles tiram de letra, até mesmo por um limiar de dor mais alto, eles não se abatem tão fácil, portanto, quando está realmente demonstrando incômodo é porque o problema é mais sério do que supomos.

E aí está o problema que muitos de nós, clínicos veterinários, nos deparamos na clínica, principalmente nas emergências do dia-a-dia. Quando o animal chega em estado de emergência, após o pronto atendimento, quando vamos fazer a anamnese, ou seja, as perguntas para investigar o problema, percebemos quanto tempo e dinheiro o proprietário perdeu e se lamenta dizendo ter feito tudo o que estava ao seu alcance. Tudo menos o principal. Isso quando o proprietário, ciente de que pode ter prejudicado seu animal, ainda não esconde informações importantes, o que pode piorar o estado do animal O veterinário, apesar de perceber algumas intervenções do proprietário, ele não é adivinho, ele precisa da colaboração do mesmo para fechar o diagnóstico e intervir de forma eficaz o quanto antes.                                                                     

Não é incomum eu ouvir em rodas de amigos, muitas vezes pessoas que não sabem que sou veterinária, ou mesmo sabendo, alguém dizer: “Eu faço tudo o que está a meu alcance, sou experiente, só procuro o veterinário em último caso”. Não me espanto ao ouvir, logo em seguida, da mesma pessoa que algum veterinário não conseguiu salvar seu animal.

Um exemplo clássico de engano do proprietário quanto ao “diagnóstico” do seu animal é aquele que se queixa de que seu gato está com dificuldade de defecar há dias e logo na primeira avaliação o veterinário percebe a bexiga repleta. Isso ocorre porque gatos com obstrução urinária se colocam em uma posição que parece, ao proprietário inexperiente, que este animal está tentando defecar devido a localização (perineal) do pênis do gato, próxima ao ânus, e, mesmo que ele não esteja defecando, isto se deve ao fato de sentir dor pela bexiga repleta. O tempo que o proprietário perde esperando o gato defecar sozinho, realizando mudanças na alimentação e fórmulas para promover a evacuação, muitas vezes custa a vida deste animal, que chega às mãos do clínico veterinário em estado tão grave que salvar sua vida ou não pode ser questão de segundos.

Assim como acontece na clínica de pequenos, com cães e gatos, acontece com animais silvestres.  Quem cria um animal deve saber como fazê-lo, o ambiente necessário, o espaço que precisa, qual a alimentação correta. Sem dúvida alguma, o maior número de casos de procura a atendimento de silvestres é por erros de manejo, erros geralmente graves, em que qualquer intervenção não é mais possível.

Portanto, antes que o pior aconteça e que você precise procurar, e até mesmo conhecer, um veterinário no momento de desespero, o melhor e mais inteligente a fazer, assim que você adquirir um animalzinho, é levar para uma consulta de rotina, pedir orientação de como ele deve ser criado, alimentado, quais as peculiaridades da raça, da espécie. Procure ter um veterinário de sua confiança, assim como os telefones e endereços de clínicas 24 horas mais próximas de você.

Então é isso, procure se informar, ler, mas nunca menospreze qualquer sinal que demonstre que seu animalzinho precisa de ajuda profissional. 


Escrevi este artigo para o Jornalzinho do Projeto Pêlo Próximo quando fui veterinária voluntária em 2013.